Guillermo del Toro é um dos diretores mais criativos de sua geração. Esperava-se muito dele após O Labirinto do Fauno, mas levou um tempo para o cineasta se encontrar e lançar um filme ainda melhor. Isso aconteceu agora, com A Forma da Água, filme indicado a 13 Oscars. O novo longa-metragem de del Toro apresenta mensagens, conceitos e elementos audiovisuais belíssimos, e sem perder a essência do diretor.
Mais uma vez apostando em criaturas “anormais”, o diretor fez seu filme mais sensível. A história de A Forma da Água é focada em um romance entre uma mulher muda e um homem-anfíbio, ou seja, algo impossível de acontecer na realidade (até que provem o contrário). No entanto, del Toro demonstra ter uma preferência pela fantasia em relação à realidade, e o filme é um exemplo disso. Por mais que se passe em um contexto real, a produção é muito mais lúdica e fantástica do que histórica.
O roteiro, feito em parceria com Vanessa Taylor, é extremamente bem construído e ritmado, apesar de não ser cheio de reviravoltas e contar com algumas resoluções demasiadamente fáceis. É uma história de amor e superação composta de ótimos personagens, todos criados a partir de arquétipos clássicos, da “princesa” até o vilão. A escolha do elenco também foi muito adequada, fazendo parecer que os personagens foram criados já com os atores em mente. Sally Hawkins, naturalmente, é o destaque.
A atriz interpretou uma Elisa meiga, doce, sonhadora e bastante humanizada, capaz de carregar o filme em vários momentos, e de uma forma muito carismática. Apesar do background trágico da personagem. Merecedora da indicação ao Oscar de Melhor Atriz, Hawkins se fortalece muito pela presença de Richard Jenkins, também indicado como Melhor Ator Coadjuvante. A dupla de amigos tem uma química espetacular, que se fortalecea partir da solidão compartilhada, dos empecilhos da vida e do companheirismo. Já o vilão Strickland, vivido por Michael Shannon, é bem caricato e cruel, e acaba sendo essencial para o desenvolvimento da narrativa, que, apesar da leveza, conta com momentos sanguinários e torturantes, tanto para os personagens da história quanto para os espectadores.
A Forma da Água também se destaca pela técnica. Todos os detalhes do filme foram elaborados com muito cuidado, como podemos ver pela encantadora direção de arte, feita cuidadosamente para encantar o público e servir como elemento de auxílio na construção dos personagens. A presença e as cores da água podem ser observadas em quase todas as locações do filme e também no roteiro e nos elementos de coloração e fotografia, que são adequados à temática e ao período histórico. Os enquadramentos e as simetrias também são visualmente agradáveis, assim como a Trilha Sonora de Alexandre Desplat, compositor que tem grandes chances de levar o Oscar para casa.
Além disso, A Forma da Água surfa um pouco na onda de La La Land e realiza fortes homenagens ao cinema e aos artistas, em geral. Mas o filme é muito mais do que isso. Os conflitos apresentados podem ser simples, mas são muito criativos, assim como todo o universo idealizado por del Toro. A falta de pontos de virada, entretanto, pode incomodar algumas pessoas. É sempre bom ressaltar que o cinema precisa de bons conflitos. Contudo, não é fundamental inserir vários plot twists em uma mesma narrativa. Filmes são muito maiores do que isso. Filmes são feitos de grandes personagens e conceitos relevantes, e nesse ponto Guillermo del Toro não dá margem para críticas negativas.
As mensagens de humanidade, especialmente aquelas contra o preconceito (em suas mais diversas e inconcebíveis vertentes) e a violência, se destacam em meio ao caos e à agressividade da “estória” e de nossas próprias histórias. Talvez por isso a obra mais amadurecida e completa de Guillermo del Toro possa dividir opiniões. Afinal, a sensibilidade presente em A Forma da Água parece estar cada vez mais ausente em nossa sociedade. Ainda bem que filmes como esse existem e podem nos ajudar a esquecer e reconhecer os verdadeiros monstros do dia a dia.