Contar uma história real pode ser desafiador para um cineasta e demais profissionais envolvidos em um filme. A caracterização e representação dos personagens e da época retratada exigem um cuidado extremo, assim como a linha narrativa, que normalmente não segue um padrão documental. Mas Eu, Tonya não é um filme normal. O longa conta a história da patinadora Tonya Harding, uma atleta extremamente talentosa e mentalmente perturbada, por conta das agressões e dificuldades que passou na vida.
Os roteiristas de Eu, Tonya apresentam um trabalho que une o caráter ficcional com elementos de documentários, e fazem isso de forma brilhante. Por conta disso, é um filme contado, literalmente, pelos personagens reais, mesmo que eles estejam ali representados por atores. Falando em atores, é impossível não destacar a performance extraordinária de Margot Robbie, que incorporou Tonya Harding de uma maneira impecável, atuando bem tanto como uma adolescente sonhadora quanto como uma adulta amargurada. Se a concorrência não fosse tão forte, a atriz teria muitas chances no Oscar 2018, inclusive. Outra atuação destacável é a de Alisson Janney, que nos apresenta uma mãe cruel e agressiva que poucas vezes vimos nos cinemas. Para ela o Oscar deve chegar, especialmente após vencer quase todos os prêmios de atriz coadjuvante do ano.
A ambientação do filme também chama a atenção, tendo em vista que produção conseguiu representar os anos 1980 e 1990 de forma fiel e saudosista, tanto nos elementos cotidianos quanto nos esportivos. As demais partes técnicas também são satisfatórias, mas não chegam a ser merecedoras de prêmios. No quesito direção, Craig Gillespie e Steven Rogers não deixam a desejar. As sequências de patinação são plásticas e realistas, assim como os angustiantes momentos das agressões sofridas pela protagonista.
Eu, Tonya não é um filme espetacular, mas cumpre seu papel histórico e traz mensagens fortes e necessárias. Dinâmica e realista, a produção apela para uma das paixões americanas (o esporte) com o objetivo de mostrar o quanto as agressões rotineiras, físicas e verbais, podem deixar uma pessoa transtornada e influenciar seus relacionamentos e anseios profissionais.
Tonya é vítima, e sua verdade agora está registrada em um filme de boa qualidade narrativa. Um longa-metragem que prende a atenção, toma partido, mas, de forma acertada, não obriga ninguém a acreditar nos fatos expostos. Afinal, até mesmo as histórias reais possuem segredos que nunca serão revelados, e isso faz com que elas sejam ainda melhores.