Depois de dois anos sem lançar produções, a Pixar lançou Divertida Mente e voltou aos cinemas com um longa extremamente divertido e bem elaborado. Entretanto, após ver o filme, uma pergunta foi feita por muitos fãs: Será que Divertida Mente se encaixa na Teoria Pixar? Bem, para quem não sabe, a Teoria Pixar foi criada pelo jornalista Jon Negroni, que após assistir a todos os filmes da produtora várias vezes divulgou a tese de que todos estavam interligados e se passavam em um mesmo universo.
Ao chegar em casa em Junho do ano passado, após assistir à nova obra-prima da Pixar, resolvi pesquisar sobre a inclusão de Divertida Mente na linha do tempo criada por Negroni. E não me decepcionei. O jornalista já havia assistido ao filme e conseguiu incluí-lo na Teoria Pixar. Traduzimos o post que Jon Negroni fez no site Movie Plot , contextualizando Divertida Mente no universo da teoria. Caso queira conhecer a tese inicial, acesse o site Vitralizado, responsável por traduzi-la. Confira agora a análise do mais novo elemento da Teoria Pixar, o brilhante filme Divertida Mente.
(As observações do texto abaixo foram feitas por Jon Negroni e contém SPOILERS do filme Divertida Mente).
No ano de 2013, fiz um post (ou melhor, tese) que defende a unificação de todos os filmes da Pixar. Criei uma narrativa formada por cada filme e coloquei todos em uma linha do tempo linear que começa com Valente e termina com Monstros SA, embora, na realidade, o fim seja em Valente de novo.
Já se passaram dois anos, então muitas de minhas ideias originais para a Teoria da Pixar já mudaram drasticamente. Passei alguma parte desse tempo (OK, boa parte) escrevendo um livro que ajusta alguns dos meus argumentos para esta grande experiência. É certo que a teoria original tinha um monte de falhas que eu simplesmente não tinha pensado ainda.
Tenho evitado atualizar a teoria desde 2013, a fim de apresentar tais atualizações neste livro, que foi recentemente publicado e está disponível agora (somente como um e-book, até que o envio da versão impressa tenha início na próxima semana).
Dito isso, eu recomendo que você leia primeiro o livro antes de julgar como eu estou prestes a incluir Divertida Mente neste mundo expansivo da Pixar que “começou” em 1995 com Toy Story. Estarei falando sobre ideias que o livro aborda em detalhes, mas farei o meu melhor para simplificá-los enquanto você lê abaixo.
Então, vamos começar!
Do que “Divertida Mente”trata?
Simplificando, é a história de Riley Anderson, uma jovem menina de 11 anos de idade cujo mundo inteiro muda quando ela se encontra mudando de sua cidade natal, Minnesota, para San Francisco, onde seu pai tem um novo emprego.
A história é contada através dos olhos de Riley, mas também através dos olhos das emoções da garota. Você é empurrado diretamente para dentro da cabeça de Riley, onde as emoções crescem em caricaturas personificadas, desde o nascimento até o presente. Temos a Alegria, Raiva, Tristeza, Medo e Nojinho. Juntos, eles tomam decisões por Riley, que vive no mundo real.
Conforme Riley experimenta os esforços de crescer em uma nova cidade, com novas dificuldades, as emoções têm que, comicamente, ajuda-la a descobrir o que é realmente ser uma criança. Bem, uma criança em um filme da Pixar, pelo menos.
Onde “Divertida Mente” se encaixa?
Pelo que tenho visto do filme, Divertida Mente ocorre, de fato, no presente. Aparentemente, o nascimento de Riley acontece em 2003 ou 2004, colocando-o logo após ou até mesmo durante os eventos de Procurando Nemo. No momento em que Riley tem 11 anos, o ano é 2015.
Isto é evidenciado pelo fato de que Riley usa um smartphone avançado, juntamente com um substituto do Skype. Agora, isso poderia se encaixar em vários outros anos. Talvez já em 2011 ou 2012. Mas não há nada no filme que sugere que isto aconteceu há alguns anos, então acho seguro dizer que os cineastas responsáveis pelo filme tiveram a intenção de que a história acontecesse nos dias de hoje.
Easter Eggs?
Obviamente, há Easter Eggs neste filme que o credenciam como parte do Universo Pixar, composto por todos os outros filmes da empresa de animação. Entretanto, vou mostrá-los apenas no final, especialmente porque trazem à tona alguns spoilers leves.
Se você ainda não viu Divertida Mente, e não quer spoiler ALGUM, então agora é a hora de você salvar este artigo em suas anotações para ler depois. Enquanto isso, se estiver interessado, você pode ler o livro da Teoria Pixar e voltar depois que assistir ao filme.
Pronto? OK.
Vou começar com o Easter Egg mais óbvio, até mesmo para os fãs casuais da Pixar. Quando Riley se muda para sua nova casa, em San Francisco, ela encontra no canto da sala de estar (e eventualmente em um pesadelo) um rato morto. O rato parece muito com Remy, protagonista de Ratatouille.
Existem algumas maneiras de analisar isso. Você poderia simplesmente dizer que este é um rato concebido com o design Pixar, e que se parece com muitos dos que vimos em Ratatouille. No entanto, você pode ficar tentado a sugerir que este é realmente o próprio Remy, só que morto.
Pois bem, este não é o caso. Por dois motivos. O grande problema é que Ratatouille acontece em algum momento entre 2004 e 2007 (provavelmente 2007). Ratos não têm expectativa de vida longa, logo, não há nenhuma chance Remy ter vivido mais oito anos. Considerando que a média de vida de um rato está em três, isso seria impossível. Até mesmo para Remy, que não vive tendo que se alimentar de lixo.
Em segundo lugar, o rato que vemos em Divertida Mente tem um focinho arrebitado, assim como os ratos normais que vemos em Ratatouille. Já Remy tem um focinho para baixo, porque é mais fácil para ele cheirar e cozinhar (os designers do filme afirmam isso). Independentemente disso, o fato de existir um rato similar mesmo tão longe de Paris me faz pensar, definitivamente, que a Pixar está tentando nos dizer alguma coisa (talvez).
Existem vários outros Easter Eggs interessantes, mas vou guardá-los para o final deste post. Por agora, vamos para as provas mais convincentes.
A prova mais convincente
Um dos principais princípios da Teoria da Pixar, especialmente como eu explico no livro, é a ideia de que os seres humanos são baterias. Este é um tema consistente em muitos dos filmes. Em Os Incríveis, temos máquinas inteligentes aprendendo a manipular os seres humanos na década de 1950, inserindo-se em brinquedos produzidos em massa que podem se tornar autoconscientes, como podemos ver nos filmes de Toy Story.
E eles fazem isso porque a imaginação humana é responsável por “ligá-los”. Também vemos isso em Monstros SA, e fica claro no loop interminável que vemos em WALL-E, onde as máquinas apenas realizam todas as necessidades humanas para o que poderia ser infinito.
Eu poderia ir além nisso, afinal, é um tema muito persistente nos filmes. Mas o que eu amo sobre Divertida Mente é que ele finalmente nos dá mais contexto sobre os motivos que tornam os seres humanos são tão especiais. E isso tem a ver com as emoções. A Pixar nos levou para dentro da cabeça real de uma criança. O mesmo tipo de criança que poderia alimentar a sociedade de monstros em Monstros SA. Logo, sabemos agora que as emoções são os fatores-chave para o que faz um ser humano ser tão poderoso neste universo.
As emoções são tão poderosas, que, aparentemente, tomam nossas decisões para nós. De acordo com a Pixar, não é um livre-arbítrio, como gostamos de definir. Você é regido por semideuses internos que trabalham para obter as melhores circunstâncias possíveis para a sua vida. Raiva trabalha para garantir que a sua vida seja justa. O medo te protege do mal. Nojinho ajuda você a fazer julgamentos. Tristeza conecta você a outros e te balanceia. E Alegria não irá poupar esforços para te fazer feliz.
As regras dessas emoções são bastante coerentes com Monstros SA. Nele, aprendemos que o riso e a alegria são muito mais poderosos do que o medo. Isso faz uma tonelada de sentido, uma vez que a Alegria é a emoção que dá as cartas para Riley em Divertida Mente.
Alegria comanda as outras emoções em torno de muito esforço, e são suas memórias base que mostram Riley fazendo coisas incríveis, como marcar um gol de hóquei em uma idade muito jovem. Quando o filme começa, todas as memórias base de Riley são alimentadas pela Alegria.
Até mesmo a Pixar tem se posicionado abertamente sobre como este filme é a base emocional de sua antologia. O primeiro teaser começa com uma série de cenas de vários filmes da empresa, destacando as principais emoções de dentro para fora. E o filme em si consegue soletrar isso tudo para você com um mundo reinventado que é governado por suas próprias regras.
É claro, estas são interpretações. Onde está a evidência mais concreta? O que realmente faz com que Divertida Mente se encaixe na Teoria Pixar? Sim, ainda não terminei.
A evidência mais concreta
Há um personagem em Divertida Mente pelo qual você certamente vai se apaixonar. E ele passa a ser o elo mais forte para os outros filmes da Pixar. Bem, Monstros SA, para ser específico.
Seu nome é Bing Bong. Ele é o amigo imaginário que Riley tinha aos três anos de idade. Ele é meio gato, meio elefante, feito de algodão doce, e até mesmo chora balas. Ele também é baseado em … um monstro do futuro.
Assim, a ideia é que Monstros SA, na verdade, tem lugar no futuro. Muito tempo depois de seres humanos serem extintos, os monstros tomar o seu lugar como animais híbridos. De acordo com o conteúdo extra do DVD de Monstros SA, os monstros foram criados quando os seres humanos tribais comeram frutos de uma árvore que lhes deu as características e aparências dos animais que tinham se alimentado dessa árvore. Sulley, por exemplo, é a mistura de um gato com um urso e uma cabra.
Posteriormente, os monstros reconstruiriam a sociedade depois que os humanos arruinaram-na, mas ficaram sem energia para qualquer coisa. Então, os monstros viajam no tempo para encontrar os únicos humanos que podem salvá-los. Eles usam portas para viajar de volta no tempo. Nelas, eles podem assustar os humanos, e essas reações emocionais enchem as vasilhas que alimentam o mundo dos monstros. Para evitar uma mudança na história, eles mantêm o aspecto viagem no tempo um segredo e banem os monstros que quebram as regras. Eles ainda têm uma agência dedicada a propagar o mito de que os seres humanos são tóxicos.
Mas tudo isso em muda em Monstros SA, quando o nosso herói, Sulley, aprende que o riso humano é muito mais poderoso do que os gritos. Em outras palavras, a alegria é mais forte do que o medo (e se você ver Divertida Mente vai acreditar nisso). Ao invés de assustar as crianças, monstros agora devem fazê-las rir.
Agora, imagine que você é um garoto que acabou de ver um monstro surgindo da sua porta à noite para fazer você rir. Você não acha que isso é um sonho? E, eventualmente, aquele não se tornaria um amigo imaginário que você levaria em suas aventuras? Lembre-se, isso está acontecendo quando você tem dois ou três anos, a mesma idade que isso acontece com (sim, você adivinhou) Boo, de Monstros SA, e Riley, de Divertida Mente.
Bing Bong é um animal híbrido, com características exageradas. Ele fala sobre como fez Riley rir e é apresentado como alívio cômico do filme quando Alegria e Tristeza exploram a memória de longo prazo de Riley. Acho que Bing Bong é baseado em um verdadeiro monstro que Riley encontrou em uma idade jovem. Na verdade, ele era parte gato e parte elefante, e sua rotina de comédia devia incluir barulhos de golfinhos, como podemos ver no filme.
Riley ainda se lembra dele depois de todo esse tempo porque ele pareceu real para ela, então se tornou seu amigo imaginário. O Bing Bong que encontramos é uma versão do monstro que veio através do armário da garota. Riley acabou de preencher algumas das lacunas.
Desde o momento em que ela não conseguia entender por que ele era rosa, Riley imaginava que ele foi feito de algodão-doce. E parte do seu passado com Riley mostra que eles alimentam um vagão vermelho com “canções” para fazê-lo voar. Na verdade, o vagão ainda é recorrente na mente de Riley, e, realmente, como é mostrado, responde ao poder música, o que lembra muito a ideia de que objetos inanimados podem ser alimentados por emoções simples.
Se um vagão pode ser alimentado pela canção da Alegria, então, bem … você precisa ver esse filme!
Parte de minha teoria geral prega que Boo, de Monstros SA, cresce tentando lembrar-se de onde Sulley veio. Ela não se esqueceu de Sulley, da mesma forma que Riley não se esqueceu de Bing Bong aos 11 anos de idade. Esse é o efeito que ele tinha sobre ela, acima de todos os outros amigos imaginários que Riley teve e que não vemos neste filme.
Assim, isso tudo influencia muito no desenvolvimento de Riley como uma personagem, pois ela cresceu com um melhor amigo que a fez rir o tempo todo e parece ser uma criança muito feliz e produtiva. Parece que a consequência de monstros terem se tornando menos assustadores e mais amigáveis estaria gerando um efeito positivo sobre o caráter dos próprios seres humanos. Aqui está um spoiler leve …
Quando entramos no “subconsciente” de Riley, vemos que ela está com medo de palhaços. O diálogo deste palhaço nos informa que ele estava em sua festa de aniversário, e ela o achou aterrorizante. É interessante o fato de que é DESTE PALHAÇO que ela tem medo. Não é de um “monstro”.
Enquanto vemos Riley crescer, vemos que ela é, principalmente, feliz o tempo todo (como a Alegria aponta). Ela adora hóquei e outras coisas ao ar livre, tem grandes amizades e se dá muito bem com a família.
Em Monstros SA, Waternoose explica que a persistência da tecnologia e da televisão está começando a entorpecer as crianças a uma falha. Então eles não estão com tanto medo. Riley, por outro lado, quase não utiliza qualquer tecnologia. Podemos vê-la conversando com uma amiga por mensagem de vídeo e ignorando uma chamada de seu smartphone. Quando ela se senta para comer um almoço solitário, seus olhos não estão colados ao seu telefone. Ela está sempre no momento.
Contraste isso com os humanos de WALL-E (ou pessoas normais que você conhece agora). De certa forma, os humanos que estão em Axiom são tão alegres quanto Riley. Já apontei em um artigo separado como os seres humanos desse filme são curiosamente educados e bem-comportados (e eles provavelmente estavam melhores sem o que WALL-E fez).
Estas pessoas pareciam genuinamente satisfeitas e felizes. Mas, ao mesmo tempo, eles estavam completamente insensíveis ao mundo, graças à excessiva dependência de tecnologia.
Então, e se a linha do tempo estiver mudando? E se o resultado da história de Boo e Sulley é a não ocorrência dos acontecimentos de WALL-E, que sequer vão acontecer porque os seres humanos, de última hora, rejeitaram a lavagem cerebral do BnL e brinquedos ‘stalkers’ que exigem a atenção durante a vida adulta?
Será que, durante todo este tempo, temos assistido a duas linhas do tempo da Pixar que, graças aos engraçados efeitos colaterais das viagens no tempo, se divergem e fazem com que as histórias delas estejam apenas começando? Definitivamente estou animado só de pensar nas possibilidades.
Obrigado por lerem tudo. Espero que você ache Divertida Mente tão divertido quanto eu achei. Como prometido, aqui estão alguns Easter Eggs que você pode ver e procurar quando assistir Divertida Mente de novo ou pela primeira vez…
– Há um globo na sala de aula de Riley que tem aparecido em todos os filmes da franquia Toy Story.
– Alguns dos carros em San Francisco tem adesivos do filme Carros, da Pixar.
– Na Ilha da Imaginação, Bing Bong perturba uma nuvem personificada que se parece muito com a nuvem do curta “Parcialmente nublado”, da Pixar.
– Algumas das memórias de fundo existentes na mente de Riley mostram cenas da vida de Carl e Ellie, de Up – Altas Aventuras. Isso poderia significar que Riley tem uma conexão com esses personagens? Terei que assistir novamente e ver exatamente o que as cenas são para fazer um comentário relevante.
– Um dos colegas de Riley veste uma camisa com personagens de Toy Story nela. Bem, suas silhuetas, pelo menos. Parece que Arlo, de O Bom Dinossauro, também está lá. Há até mesmo uma garota popular na escola com uma camiseta de crânio que tem o mesmo estilo do modelo utilizado por Sid, de Toy Story, apenas em uma cor diferente.
– Um banner na pista de hóquei de Riley mostra uma equipe de Tri-County, que serve como cenário para Toy Story.
– Pisque e você vai perder um Easter Egg de “Coisas de Pássaros” durante a viagem de Riley para San Francisco no início do filme. É exatamente como a aparição deles em Carros.
Estou certo de que há toneladas mais de Easter Eggs apenas esperando para serem descobertos. Se você pegar um que eu perdi, me avise!
Texto: Jon Negroni
Tradução: Daniel Furlan – D20 Inc.
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