Abordar o racismo em obras cinematográficas sem fugir da obviedade é algo desafiador e pouco visto na indústria. Corra! se destaca exatamente por ter conseguido transmitir mensagens tão fortes sobre o assunto de uma forma inovadora, ousada, perturbadora e excelente. Com um lançamento despretensioso e pouco divulgado, o filme de Jordan Peele foi lançado no primeiro semestre de 2017, mas conseguiu manter a força para concorrer ao Oscar 2018, algo muito difícil para produções lançadas até junho do ano anterior ao da cerimônia. Muito por conta da inovação.
O roteiro de Corra! é fantástico, tanto pelos plot twists quanto pela construção dos personagens. Todas as ações, todos os diálogos e todos os conflitos são coerentes com a temática e com o estilo do filme. Vencedor do prêmio dos sindicatos do roteiristas, Corra! é um dos grandes favoritos a levar o Oscar de Roteiro Original. Merecidamente. Acompanhar a saga de Chris pode ser uma experiência torturante e assustadora, mas a história se apropria de clichês de maneira positiva, mostrando que os negros ainda convivem com absurdos aterrorizantes na nossa sociedade e elevando tais absurdos para um outro patamar.
Jordan Peele dirige o filme com toques bem inspirados em Stanley Kubrick, remetendo a clássicos do diretor, como O Iluminado, Laranja Mecânica e De Olhos Bem Fechados, seja nos enquadramentos e referências visuais ou na forma como utiliza o terror e a tecnologia. Corra! tem personagens cruéis, assim como a vida real. E isso faz o filme ser tão forte, socialmente falando. É representativo, é combativo e é, apesar de tudo, positivo. A carga dramática é grande, mas a sensação ao acabar de ver o longa é de que a experiência foi divertida. O que não inibe pensamentos reflexivos.
As atuações também são muito adequadas à proposta. Especialmente ao do indicado ao Oscar de Melhor Ator, Daniel Kaluuya, um dos atores mais promissores e talentosos de sua geração. O restante do elenco não compromete, mas Kaluuya consegue carregar o filme e ser o centro das atenções, especialmente pelo fato de que sentimos a angústia de seu personagem do início ao fim.
Corra! pode ficar devendo um pouco nos quesitos técnicos, como fotografia, trilha sonora, montagem e direção de arte. Tais elementos não são ruins, mas não se destacam e poderiam ser melhores. No entanto, as falhas são compreensíveis em um filme com um orçamento de apenas 4,5 milhões de dólares. O principal é que Jordan Peele não errou ao transmitir mensagens que o mundo precisa ver, compreender e discutir sempre. O diretor (também indicado ao Oscar) pode ter feito isso de uma maneira torturante e intensa. O importante, entretanto, é que Corra! sobreviva ao tempo, ao contrário das questões preconceituosas que ele veio para apontar e combater.